por FELIPE CAMILO
Sedimentação de fotografias, folhas, palavras e outros detritos, esta exposição surge no intento de partilhar vivências e encontros de um corpo a envelhecer junto de sua urbe. ‘Perecível’ persegue uma poética de atravessamentos do tempo na superfície das plantas, das peles dos rostos, do concreto da cidade. Ruína, memória e imagem se cruzam por meio da ‘fitotipia’, retratos na superfície das folhas das árvores. O álbum de família do autor se mistura aos retratos de anônimos e a paisagem de Fortaleza como prótese no trabalho da memória da coletividade e especificamente do observador - ora contribuindo na luta contra o apagamento de rostos e prédios, ora evidenciando o ato de lembrar como ficção em uma paisagem tornada ruína por força política, por força da arquitetura, por força do sol e do vento.
‘Perecível’ traz retratos nos bairros históricos de Fortaleza revelados sobre a clorofila das folhas mais comuns aos jardins dos condomínios que a construção civil prolifera pela cidade. Se por um lado as folhas da arquitetura contemporânea constrangem as formas dos rostos, por outro a bricolagem de faces captura a efemeridade do ‘suporte-folha’ para nos indagar sobre as relações entre memória e duração - sobre a passagem do tempo na cidade e nos citadinos. Trata de um perambular pelo centro comercial, pela praia de Iracema, mas sobretudo pela Jacarecanga, bairro órfão das elites da metrópole - lá onde se percebe em seus casarões e idosos vestígios de uma cidade que envelhece.
Aqui um corpo é vetor de ressignificação de memórias em ampla devoração. Do sol, dos pés, da construção civil, das histórias, das políticas, das poesias. Aqui a brevidade é soberana.
80 tiros (2019)
Em menção a Evaldo dos Santos Rosa, 51 anos, morto em 7 de abril de 2019 após mais de 200 disparos terem alvejado seu carro em operação do exército brasileiro no Rio de Janeiro. Evaldo levava a família à praia.
Sem título (2019)
Matrilínea (2016)
Mestre Moa (2018)
Mestre Moa do Katendê. Homem negro. 63 anos. Engajado na luta antirracista, foi morto a facadas após uma discussão política na madrugada pós-eleições, em 8 outubro de 2018, em Salvador.
Marielle Franco (2018)
Marielle Franco. Mulher preta. 39 anos. Vereadora militante de direitos humanos. Foi executada em 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro. O caso segue sob investigação e não se sabe quem é o mandante.
Sem título (2016)
Homem da foice - Ancuri (2018)
Mão de Ferro (2016)
Sem título (2019)
Sem título (2019)
Sem título (2018)
Jacarecanga I (2016)
Jacarecanga II (2016)
desejo severo
coração contra as pedras
pés na areia quente
Cemitério São João Batista (2018)
Fábrica São José - Jacarecanga (2018)
Sem título (2016)
Sem título (2016)
Jacarecanga III (2016)
Edifício São Pedro (2018)
Todas as imagens desta exposição foram impressas artesanalmente através de fitotipia, processo de utilizar folhas de plantas como suporte para imagens. O método usa luz solar e contato da folha com uma matriz, tendo a clorofila da planta como reagente do processo de revelação. Para conservação do objeto, é aplicada uma fina camada de verniz após o término da revelação.
Felipe Camilo. Negro. Cearense. Nordestino. Artista Visual com enfoque em fotografia e cinema. Dedica-se ao documental e à experimentação. Pesquisador pela Universidade Federal do Ceará, desenvolve tese nas áreas de antropologia, imagem, memória, periferia e cidade. Publicou o fotolivro ‘Perecível’ em 2018 com fitotipia, relatos e haicais. A exposição esteve nos CCBNBs, na Mostra de Fotografia Etnográfica da RAM 2017 (Argentina), na ANPOCS 2018 e na Fotográfica Bogotá 2019. Como realizador/documentarista é ganhador do Prêmio de melhor roteiro no Cine Ceará 2017 e aquisição Canal Brasil de melhor curta com ‘Memórias do Subsolo ou o Homem que cavou até encontrar uma redoma’. Também dirigiu o documentário Oestemar resultado da 2ª Ed. do projeto “Mapadoc – Cartografias da Cultura Cearense”.